Alteração ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial em Portugal

Atualizações Legislativas | 05 Fevereiro 2025
Foi publicado no dia 30 de dezembro de 2024, o Decreto-Lei n.º 117/2024, que introduz a sétima alteração ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio.
Alteração ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial em Portugal

Esta alteração legislativa tem, alegadamente, como principal objetivo aumentar a disponibilidade solos para construção e tentar dar uma resposta à crescente necessidade que se tem feito sentir em Portugal nos últimos anos por uma habitação digna a um preço acessível.

Neste sentido, de entre outras alterações, foi criado um regime especial que permite a reclassificação de solos rústicos para urbano cuja área deve maioritariamente ser afeta a habitação pública, arrendamento público e habitação a um preço moderado.

As principais modificações incluem:

1. A alteração ao regime da reclassificação de solo rústico para urbano (artigo 72.º) nos seguintes termos:

  • Eliminação da obrigatoriedade de contratualização, bastando uma deliberação municipal para a reclassificação na qual se fixe os encargos das operações urbanísticas, prazo de execução e condições de redistribuição de benefícios e encargos, considerando todos os custos urbanísticos envolvidos;
  • Supressão da necessidade de demonstração da sustentabilidade económico-financeira subjacente à reclassificação do solo;
  • Manutenção dos procedimentos administrativos de reclassificação que já estavam previstos no artigo 72.º do RJIGT, com ajustamentos aos seus pressupostos.

2. Ampliação do regime especial de reclassificação de solos rústicos em solos urbanos (artigo 72.º-B) para finalidades conexas à habitacional e usos complementares, sujeita, entre outros, ao cumprimento cumulativo dos seguintes requisitos:

  • Seja assegurada a consolidação e a coerência da urbanização a desenvolver com a área urbana existente;
  • Pelo menos 700/1000 da área total de construção acima do solo se destine a habitação pública, ou a habitação de valor moderado, entendendo-se por habitação de valor moderado aquela em que o preço por m2 de área bruta privativa não exceda o valor da mediana de preço de venda por m2 de habitação para o território nacional ou, se superior, 125% do valor da mediana de preço de venda por m2 de habitação para o concelho da localização do imóvel, até ao máximo de 225% do valor da mediana nacional;
  • Seja delimitada e desenvolvida uma unidade de execução;
  • Proibição da reclassificação para solo urbano abranger áreas protegidas e sensíveis (Áreas integradas no Sistema Nacional de Áreas Classificadas, determinadas tipologias de áreas da Reserva Ecológica Nacional (RAN) - terras classificadas como classe A1 ou solos classificados como classe A e classe B - e da Reserva Agrícola Nacional (REN), áreas abrangidas por programas especiais da orla costeira, albufeiras de águas públicas e estuários, zonas de risco de inundação, entre outras);
  • Existam ou sejam garantidas as infraestruturas gerais e locais, assim como os equipamentos de utilização coletiva necessários e os espaços verdes adequados para cobrir as necessidades decorrentes dos novos usos;
  • A reclassificação seja compatível com estratégia local de habitação, carta municipal de habitação ou bolsa de habitação.

Os atos ou negócios jurídicos que tenham por objeto a transmissão, a oneração ou a promessa de transmissão ou de oneração de prédios destinados a construção de habitação de valor moderado, ou de edifícios e frações autónomas construídos nesses prédios e sujeitos a limite do preço de venda, não podem ser titulados ou realizados sem a menção desses factos e da sua inscrição definitiva no registo predial.

O município tem o direito de preferência após a primeira transmissão de prédios ou de frações autónomas construídas em solos reclassificados ao abrigo do novo regime.

3. Alagamento dos casos de alteração simplificada de planos territoriais (artigo 123.º), entre outros:

  • Admissão de requalificações urbanísticas do solo decorrentes da (i) cessação de servidões administrativas e de restrições de utilidade pública, da (ii) desafetação de bens móveis do domínio público ou dos fins de utilidade pública a que se encontravam adstritos, designadamente os do domínio privado indisponível do Estado ou da (ii) cessação de atividades económicas ou do uso de infraestruturas ou equipamentos determinantes da qualificação da área abrangida, desde que pelo menos 700/1000 da área total de construção acima do solo se destine a habitação pública ou a habitação de valor moderado;
  • Desafetação de bens móveis do domínio público ou dos fins de utilidade pública a que se encontravam adstritos, designadamente os do domínio privado indisponível do Estado;
  • Adoção dos parâmetros para o dimensionamento das áreas destinadas a cedência para habitação pública, de custos controlados ou para arrendamento acessível
  • Alteração do número de fogos ou tipologias, bem como de características de desenho urbano e de edificação sem impacto nos demais parâmetros urbanísticos;
  • Possibilidade de majoração de até 20% no índice de construção, desde que pelo menos 700/1000 da área majorada se destine a habitação pública ou a habitação de valor moderado.

A proposta de alteração simplificada é submetida a consulta pública, por um prazo mínimo de 20 dias úteis, aumentando-se, assim, o prazo que antes era de 10 dias úteis, após a qual a câmara municipal procede às alterações necessárias e submete a proposta a aprovação da assembleia municipal.

4. Suspensão de regras em áreas urbanizáveis ou de urbanização programada

Os planos municipais ou intermunicipais que até 31 de dezembro de 2024 não tenham incluído as regras de classificação e qualificação previstas RJIGT na totalidade do território do município:

  • Ficam com as normas relativas às áreas urbanizáveis ou de urbanização programada automaticamente suspensas, até à inclusão das regras de classificação e qualificação previstas no RJIGT, não podendo, nessas áreas e enquanto durar a suspensão, haver lugar à prática de quaisquer atos ou operações que impliquem a ocupação, uso e transformação do solo, sob pena de nulidade desses atos.

A suspensão não se aplica a:

  • Operações urbanísticas em áreas que passem a solo urbano ou existam planos de pormenor, contratos de urbanização ou atos de controlo prévio que prevejam prazos para execução de obras de urbanização ou por ato administrativo de controlo prévio e a câmara municipal emita uma declaração fundamenta e a comunique à CCDR -  Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional territorialmente competente;
  • Operações urbanísticas em áreas urbanizáveis ou de urbanização programada cuja finalidade seja habitacional ou conexa à finalidade habitacional e usos complementares aplicando-se o procedimento de reclassificação do solo para estas finalidades.

5. Entrada em vigor

O decreto entrou em vigor no dia 29 de janeiro de 2025, exceto as disposições sobre áreas urbanizáveis suspensas, que se aplicam desde 31 de dezembro de 2024.

Contudo, há propostas de alteração do PS que estão a ser negociadas com o Governo na vigência do diploma, designadamente, com vista à substituição do conceito de preço de venda a um "valor moderado" pelo conceito legal já existente de “habitação a custos controlados” e, bem assim, de “habitação para arrendamento acessível” e a introdução de um limite temporal à lei de 3 anos para traduzir o caráter excecional do diploma, em vez do limite de 5 anos previsto no diploma, prazo que poderá ser prorrogado depois de avaliados os efeitos das alterações legislativas introduzidas.