No dia 8 de Janeiro foi publicado o Decreto-Lei n.º 10/2024 que, no quadro do Simplex, com o objeto de promover o direito à habitação, numa lógica de licenciamento zero, procede à reforma e simplificação dos licenciamentos no âmbito do urbanismo, ordenamento do território e indústria (“DL 10/2024”).
O DL 10/2024, também designado por Simplex urbanístico, concretiza de uma reforma em matéria de direito do urbanismo e ordenamento do território na sequência da aprovação da Lei n.º 50/2023, de 28 de agosto (Lei de Autorização Legislativa) no âmbito do Pacote Mais Habitação.
As alterações promovidas pelo presente DL 10/2024 entram em vigor 4 de março de 2024 (com exceções nalgumas matérias que entraram em vigor com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2024, tais como as novas regras para a alteração ao uso de frações autónomas ou a apresentação de autorização nas compras e vendas de imóveis) e aplicam-se aos procedimentos iniciados antes da entrada em vigor e que se encontrem pendentes, com exceção da formação de deferimento tácito em procedimentos urbanísticos.
Entre outros pontos relevantes, procedeu-se às seguintes alterações:
1. Eliminação, nalgumas situações, da necessidade de obter licenças urbanísticas:
Os municípios mantêm, naturalmente, poderes de fiscalização para assegurar o cumprimento das normas relevantes, os quais têm de ser reforçados, prevendo-se a possibilidade para que os municípios possam contratar serviços de fiscalização externos. Fica claro que a fiscalização deve orientar-se por critérios de estrita legalidade e não com base em mera conveniência, mérito ou em funções das opções técnicas das obras realizadas ou em curso.
2. Deferimento tácito para as licenças de construção e eliminação do alvará de licença de construção
Aprova-se um regime de deferimento tácito para as licenças de construção, caso as decisões não tenham sido adotadas nos prazos devidos:
(i) 120 dias, no caso de obras de construção, reconstrução, alteração ou de ampliação, conservação e demolição realizadas em imóvel com área bruta de construção igual ou inferior a 300 m2;
(ii) 150 dias, no caso de obras de construção, reconstrução, alteração ou de ampliação, conservação e demolição realizadas em imóvel com área bruta de construção superior a 300 m2 e igual ou inferior a 2200 m2, bem como no caso de imóveis classificados ou em vias de classificação;
(iii) 200 dias, no caso de obras de urbanização, operações de loteamento e no caso de obras de construção, reconstrução, alteração ou de ampliação, conservação e demolição realizadas em imóvel com área bruta de construção superior a 2200 m2;
Findo o prazo legal de decisão, o particular poderá realizar o projeto pretendido mediante da obtenção de uma certidão a atestar a formação do deferimento tácito no âmbito de um procedimento eletrónico criado através do Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de abril, na sua redação atual, o qual permitirá, a partir de 1 de janeiro de 2024.
Elimina-se o alvará de licença de construção, o qual é substituído pelo recibo do pagamento das taxas devidas.
3. Novas regras na contagem de prazos e fase de saneamento do processo
A contagem dos prazos passa a iniciar-se com a entrega do pedido pelo particular e não num momento intermédio no procedimento e só se suspendem se o particular demorar mais de 10 dias a responder a pedidos de informação, documentos adicionais ou a outras solicitações da Administração Pública.
A Câmara Municipal pode pedir apenas uma única vez informações, documentos adicionais ou formular outras solicitações durante o procedimento.
Determina -se que, caso não exista rejeição liminar ou convite para corrigir ou completar o pedido ou a comunicação, considera-se que o requerimento ou a comunicação se encontram corretamente instruídos, não podendo ser indeferido o pedido com fundamento na sua incompleta instrução.
4. Elimina-se a necessidade de parecer da entidade competente em matéria de património cultural em várias situações
As obras no interior de imóveis classificados de interesse nacional ou de interesse público ou em vias de classificação, deixam de estar sujeitas a parecer da entidade competente em matéria de património cultural, desde que não se verifique impacte no subsolo, ou alterações relativas a azulejos, estuques, cantarias, marcenaria, talhas ou serralharia. As obras de conservação no exterior de imóveis e a instalação de reclamos publicitários, sinalética, toldos, esplanadas e mobiliário urbano também deixam de estar sujeitas a parecer da entidade competente em matéria de património cultural.
5. Reforça-se a delegação de competências para a tomada de decisões no procedimento administrativo de licenciamento
Com o mesmo propósito de criar condições para que os procedimentos de licença urbanística sejam mais ágeis, permite -se a delegação de competências nestas matérias nos dirigentes dos serviços, assim evitando a concentração de competências no vereador com pelouro.
Além disto, por um lado, alarga -se o prazo de validade da informação prévia favorável de um para dois anos, sem necessidade de solicitar prorrogações. E, por outro, permite -se que o prazo de execução das obras possa ser prorrogado sem os limites atuais, de apenas poder ocorrer uma única vez e por período não superior a metade do prazo inicial.
6. Uniformização de regras em matéria de procedimentos administrativos
Com o objetivo de uniformizar procedimentos urbanísticos e de evitar que existam práticas e procedimentos diferentes em vários municípios, são adotadas medidas para impedir tratamentos injustificados e assimétricos, quando essa assimetria não se justifica.
Note-se que as presentes medidas não prejudicam a possibilidade de cada município ter as suas próprias normas acerca da ocupação dos solos e condições de edificação. Estas apenas visam impedir que que, em matérias de natureza procedimental e formal, não existam regras diferentes em cada município, as quais significam custos excessivos e desproporcionados para os particulares pela diversidade e dispersão das soluções adotadas.
Neste sentido, explicita-se que os regulamentos municipais só podem abranger certo tipo de matérias, não podendo, por exemplo, abordar matérias relativas aos procedimentos administrativos ou a documentos instrutórios, assim procurando tornar os procedimentos mais semelhantes nos vários municípios do País.
Impede-se que os municípios possam exigir documentos instrutórios adicionais face aos previstos na lei e em portaria especificamente destinada à identificação desses documentos.
Assim, para efeitos de clarificação, é adotada uma lista não exaustiva de documentos que não podem ser exigidos, nem pela referida portaria nem pelos regulamentos ou pela prática dos municípios. Tal lista inclui a proibição de solicitar, por exemplo, os seguintes documentos instrutórios: cópias de documentos na posse da câmara, a caderneta predial, o reenvio de certidão permanente ou do seu código por o seu prazo de validade ter expirado quando era válido no momento da apresentação do pedido, o livro de obras digitalizado, declarações de capacidade profissional dos técnicos responsáveis pelos projetos, emitida por qualquer entidade, incluindo ordens profissionais, entre outros.
7. Extensão do regime à construção modular
Face às novas técnicas de construção que têm sido utilizadas um pouco por todo país nos mais diversos projetos imobiliários, o legislador deixa clara que o RJUE - Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, bem como o RGEU – Regime Geral das Edificações Urbanas passam a aplicar-se tout court à construção modular de carácter permanente, que é caracterizada por utilizar elementos ou sistemas construtivos modulares, estruturais ou não estruturais, parcial ou totalmente produzidos em fábrica, previamente ligados entre si ou no local de implantação, independentemente da sua natureza amovível ou transportável.
Os modelos de licença, os modelos de utilização obrigatória de licença, de resposta à comunicação prévia e dos atos a praticar pelos técnicos, serão aprovados por portaria do Governo.
8. Alteração ao uso de frações autónomas
A alteração do fim ou do uso de frações autónomas para habitação passa a não carecer de autorização dos restantes condóminos.
Os condóminos que alterem a utilização da fração junto da câmara municipal podem, depois de emitida a respetiva certidão camarária, por ato unilateral constante de escritura pública ou de documento particular autenticado, introduzir a correspondente alteração no título constitutivo, devendo comunicar tal alteração ao administrador do condomínio no prazo de 10 dias.
9. Plataforma Eletrónica dos Procedimentos Urbanísticos (PEPU)
Prevê-se a existência de uma PEPU, que permita: i) apresentar pedidos online; ii) consultar o estado dos processos e prazos; iii) receber notificações eletrónicas; iv) obter certidões de isenção de procedimentos urbanísticos; v) uniformizar procedimentos e documentos exigidos pelos municípios, evitando a multiplicação de práticas e procedimentos diferentes; e, entre outras funcionalidades; a vi) futura submissão de pedidos em formato Building Information Modelling (BIM), com automatização da verificação do cumprimento dos planos aplicáveis.
Esta Plataforma será de utilização obrigatória para os municípios a partir de 5 de janeiro de 2026 e não será possível adotar passos procedimentais ou documentos que nela não se encontrem previstos.
10. Clarificação dos poderes de cognição dos municípios no exercício do controlo prévio urbanístico, em especial relativamente à emissão de licença
Fica assente que ao município cabe tão só verificar, sob pena de nulidade: i) a inserção do edifício no território (controlo do cumprimento dos planos, medidas preventivas, área de desenvolvimento urbano prioritário e de construção prioritária, servidões administrativas, restrições de utilidade pública e o uso proposto e ii) a estética exterior e a inserção do projeto na paisagem; e iii) a suficiência das infraestruturas, não lhe competindo apreciar questões relativas ao interior dos edifícios ou matéria relativa às especialidades (águas, eletricidade, gás, etc.).
Para clarificação, é elaborada uma lista não exaustiva de aspetos que não cabe ao município analisar, uma vez que os mesmos são elaborados com base em declarações de cumprimento das normas legais aplicáveis por técnicos competentes.
A limitação dos poderes dos municípios no momento do controlo prévio ou emissão de licença não prejudica os seus poderes de fiscalização, ao abrigo das competências que lhes cabem em matéria de tutela da legalidade urbanística. É clarificado que tais poderes se devem exercer no quadro da legalidade e que se destinam a verificar o cumprimento da lei e não a adotar medidas de tutela urbanística com base em juízos de oportunidade, conveniência ou opiniões de natureza técnica.
11. Revogação de certas exigências previstas no Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU) em matéria de controlo prévio urbanístico
Elimina-se a obrigatoriedade da existência de bidés em casas de banho e permite -se que possa existir um duche em casas de banho, em vez de banheiras, e viabiliza -se a utilização de soluções para cozinhas como kitchenettes ou cozinhas walk through.
Revogam -se várias normas do RGEU que já se encontram reguladas de forma mais completa noutros diplomas ou que não se conformam com as medidas de simplificação que agora são adotadas e aprova -se a sua revogação com efeitos a 1 de junho de 2026.
12. Simplificação do processo de obtenção da autorização para utilização
É eliminada a autorização de utilização quando tenha existido obra sujeita a um controlo prévio, substituindo -se essa autorização pela mera entrega de documentos, sem possibilidade de indeferimento, mas, naturalmente, mantendo -se todos os poderes de fiscalização durante e após a obra.
Por seu turno, quando exista alteração de uso sem obra sujeita a controlo prévio, deve ser apresentada uma comunicação prévia com um prazo de 20 dias para o município responder, considerando-se aceite o pedido de autorização de utilização, caso o município não responda.
Os municípios passam a não apreciar nem a aprovar os projetos de especialidades, os quais são remetidos para mera tomada de conhecimento e arquivo, acompanhadas de termos de responsabilidade emitidos pelos técnicos competentes em como os projetos foram realizados em conformidade com a lei.
13. Cessão da posição de beneficiário da garantia na receção de obras de urbanização
Os municípios passam a estar obrigados a aceitarem a posição contratual de beneficiários das garantias, após cessão de posição de contratual, dadas pelo empreiteiro ao promotor para a realização das obras de urbanização, eliminando-se assim o custo com a emissão de novas garantias.
14. Eliminação da necessidade de exibição a exibição ou prova de existência da ficha técnica de habitação e da autorização de utilização ou de demonstração da sua inexigibilidade; do alvará da licença de construção e alvará da licença de utilização ao recibo de pagamentos das taxas legalmente devidas
Simplificam-se as formalidades relacionadas com a compra e venda do imóvel, deixando de ser necessário com a celebração do contrato de compra e venda do imóvel, por escritura pública ou documento particular autenticado, a exibição ou prova de existência da ficha técnica de habitação e da autorização de utilização ou de demonstração da sua inexigibilidade.
Todas as referências legais e regulamentares ao alvará da licença de construção e ao alvará da licença de utilização devem entender-se como efetuadas ao recibo de pagamentos das taxas legalmente devidas.
Na realização de negócios jurídicos que envolvam a transmissão de propriedade de prédios urbanos, deve o conservador, ajudante ou escriturário, o notário, o advogado ou o solicitador informar que o imóvel pode não dispor dos títulos urbanísticos necessários para a utilização ou construção.
15. Simplificação do processo de reclassificação de solo rústico em solo urbano
É simplificado o processo de reclassificação do solo rústico em urbano com finalidade industrial, de armazenagem ou logística de forma a colmatar a carência de espaços que possam ser afetos a esta finalidade, desde que o espeço não se localize em Reserva Ecológica Nacional e Reserva Agrícola Nacional.
A reclassificação do solo rústico para solo urbano, sempre que a finalidade prevista seja habitacional custos controlados, a propriedade do solo seja exclusivamente pública e o solo esteja situado na contiguidade, passa a ser efetuada através do procedimento de alteração simplificada.
De acordo cos termos deste processo simplificado: i) realiza -se apenas uma consulta pública, evitando-se diversas consultas públicas com objeto semelhante ou sobreposto; ii) prevê-se uma conferência procedimental, para todas as entidades se pronunciarem simultaneamente; iii) determina-se que o procedimento não para durante o período de consulta pública, antes continuando a ser desenvolvido; e iv) atribui-se competência à assembleia municipal para a respetiva aprovação.
Em paralelo, admite-se que a reconversão de imóveis para uso habitacional e a construção de novos edifícios para habitação nas áreas urbanas qualificadas no plano territorialmente aplicável como espaços para equipamentos, comércio e serviços posso ser efetuado através do regime simplificado de alteração.
16. Supressão do acompanhamento Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) na elaboração de planos de pormenor (PP) e planos de urbanização (PU)
Prevê-se que os procedimentos de aprovação de PP e PU passem a ser mais céleres através: i) da eliminação do acompanhamento da CCDR na elaboração desses planos; e ii) da eliminação da fase procedimental da concertação.
17. Comunicação prévia para operações urbanísticas em unidades de execução (UE)
A realização de operações urbanísticas em áreas onde exista uma UE passa a ser feita através de comunicação prévia. Caso a UE inclua o i) desenho urbano e a ii) programação de obras de urbanização, deixa de ser necessária a licença de construção ou de loteamento, podendo as operações urbanísticas fazer-se através do procedimento de comunicação prévia.